SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 855 (196)
PROCED. : MARANHÃO
REGISTRADO :MINISTRO PRESIDENTE
REQDO.(A/S) : RELATOR DO AI Nº 0054607-36.2016.4.01.0000/MA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
ADV.(A/S) : ANTONIO AUGUSTO REBELLO REIS (118816/RJ, 214036/SP) E OUTRO (A/S)
DECISÃO
SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGIÃO DO BAIXO PARNAÍBA/MA. SILVICULTURA DE EUCALIPTO. EXPANSÃO. DANO AO MEIO AMBIENTE. FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO PELO ESTADO. DEVER CONSTITUCIONAL. RISCO DE DANO INVERSO. SUSPENSÃO À QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.
Relatório
1. Suspensão de tutela antecipada, com requerimento de medida liminar, apresentada pelo Maranhão em 20.2.2017 (edoc. 15), com base no art.
12,
§ 1º, da Lei n.
7.347/1985; no art.
1º da Lei n.
9.494/1997, e nos arts.
1º,
§ 3º, e
4º da Lei n.
8.437/1992, contra decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 54.607-36.2016.4.01.0000/MA, em trâmite no Tribunal Regional
Federal da Primeira Região.
O caso
2. Maranhão relata ter o
Ministério Público Federal ajuizado ação civil pública (n. 17.872-59.2016.4.01.3700) contra o Estado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – Ibama e a empresa Suzano Papel e Celulose S/A por alegados danos ao meio ambiente resultantes da atividade de silvicultura de eucalipto na região do Baixo Parnaíba, como “desmatamento de grandes áreas, diminuição de recursos hídricos e sua contaminação pelo uso de defensivos agrícolas” (fl. 2 do edoc. 1).
Informa o indeferimento da medida liminar pelo juízo de primeiro grau, que considerou o relatório de pesquisa elaborado pela Universidade Federal do Maranhão como insuficiente para demonstrar a responsabilidade pelos danos ambientais apontados.
Comunica a interposição de agravo de instrumento contra essa decisão (n. 54.607-36.2016.4.01.0000), tendo o Desembargador Relator no Tribunal Regional Federal da Primeira Região deferido o requerimento de antecipação da tutela recursal,
“(...) para determinar à promovida Suzano Papel e Celulose S/A que se abstenha de expandir os plantios de eucalipto, com a interrupção do processo de desmatamento do cerrado maranhense e de implantação de florestas de eucalipto, ressalvada a manutenção dos plantios já existentes, na áreas descrita nos autos, devendo o
Estado do Maranhão, através de seu órgão ambiental competente, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA acompanhar e fiscalizar a execução da medida restritiva aqui imposta” (fl. 9 do edoc. 13).
Na decisao de 15.9.2016, o Desembargador Relator ainda fixou astreintes no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de atraso no cumprimento.
3. O Estado requerente afirma estar em risco o interesse público, por grave lesão à ordem e à economia públicas.
Argumenta ausentes os pressupostos para a concessão da cautelar, sendo certa, ainda, a inobservância ao devido processo legal na espécie vertente, pois não se teria oportunizado ao Estado manifestar-se sobre o agravo de instrumento, nos termos do art.
2º da Lei n.
8.437/1992.
Defende ser incabível a medida antecipatória pelo caráter satisfativo, como expresso no
§ 3º do art.
1º da Lei n.
8.437/1992 c/c o art.
1º da Lei n.
9.494/1997 e no § 3º do art.
300 do
Código de Processo Civil. No ponto, alega que “a medida extrema deferida por meio de Agravo de Instrumento com efeito ativo, que determinou a suspensão dos trabalhos de expansão da atividade da Empresa Suzano, impondo ao
Estado do Maranhão a obrigação de fazer de acompanhar e fiscalizar a execução da restrição decorrente da liminar deferida, desconsiderou totalmente todo o processo de licenciamento ambiental e seus desdobramentos, ocorrido no âmbito da Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA/MA, cujos trâmites se deram em total obediência aos ditames legais, esgotando totalmente o objeto da Ação Civil Pública em curso e do respetivo recurso de Agravo de Instrumento, consistindo tal decisão em medida absolutamente desarrazoada, cujos prejuízos ao
Estado do Maranhão são incomensuráveis” (fl. 19 do edoc. 1).
Questiona a veracidade e o rigor técnico do relatório de pesquisa considerado na decisão cujos efeitos se busca suspender, “advindo de professores e acadêmicos da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, ligados unicamente às áreas de antropologia e ciências sociais” (fl. 20), no qual apontam ausência de contemporaneidade (pois elaborado em 2011) e o reconhecimento de outros fatores de risco às comunidades atingidas pela atividade da empresa Suzano Papel e Celulose S/A.
Considera “imprescindível a realização de prova pericial técnica no Juízo de 1º Grau, que supostamente demonstraria os alegados danos ambientais e as condutas individualizadas de seus agentes, e no caso do
Estado do Maranhão, necessária a prova de ausência de conduta fiscalizatória do cumprimento das condicionantes estipuladas no procedimento de licenciamento ambiental, o que não houve no presente caso” (fl. 23).
Assevera que “o procedimento de licenciamento ambiental atendeu a todos os ditames legais cabíveis à espécie, não havendo nenhuma ressalva capaz de nulificar seus atos, permanecendo o
Estado do Maranhão, por meio de sua Secretaria de Meio Ambiente - SEMA, no constante processo de fiscalização do cumprimento das condicionantes e autorizações concedidas o empreendimento” (fl. 25), o que estaria comprovado pelos termos da Nota Técnica do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria n. 027/2013, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente – Sema, e da Nota Técnica n. 000007/2014 MA/Ditec/Ibama do Ibama.
Realça que, “[c]om a manutenção da decisão ora guerreada, o Poder Público, em todas as suas esferas, sofrerá perda de arrecadação dos tributos decorrentes do Empreendimento, e o
Estado do Maranhão diretamente poderá ser atingido em suas finanças, haja vista deixará de arrecadar mensalmente enormes parcelas de tributos devidos pelo empreendimento, além da perda de empregos diretos e indiretos ali gerados” (fl. 31).
Noticia a celebração de termo de compromisso (n. 001, de 22.4.2015) pelo qual a Empresa Suzano Papel e Celulose S/A assumiu o cumprimento de regras “para regularizar as áreas de Reserva Legal de imóveis rurais situados na Amazônia Legal, que serão objeto de implantação de projetos florestais para abastecimento de sua fábrica no Estado do Maranhão” (fl. 32), a demonstrar zelo pela manutenção do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para uso comum da sociedade.
Argumenta ter a decisão objeto da presente medida de contracautela afrontado o princípio constitucional da harmonia e independência entre os poderes, “pois ali restou consignada ordem liminar desconsiderando as licenças ambientais expedidas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SEMA a requerimento da Empresa Suzano Papel e Celulose, sendo que as citadas licenças transcorreram sob a devida análise do órgão ambiental do Estado do Maranhão” (fl. 34).
4. Ao final, elabora os seguintes requerimentos:
“a) Considerando a urgência do provimento e os relevantes fundamentos constitucionais expostos acima, se digne em deferir liminarmente o pedido de suspensão da antecipação dos efeitos da tutela recursal ilegalmente concedida nos autos do Agravo de Instrumento nº 54.607-36.2016.4.01.0000 em trâmite no Colendo Tribunal Regional Federal da Primeira Região (artigo
4º da Lei nº
8.437/92 c/c artigo
25, da Lei
8.038/90);
b) Ao final, seja confirmada a suspensão da tutela antecipada com o provimento integral desta medida processual, considerando o interesse público envolvido e a iminência de perpetrar-se gravíssima lesão à ordem pública e à economia, tudo com base nos fundamentos e notas e, ainda, para as finalidades pretendidas nesta peça processual, bem assim com base nos documentos em anexo, tudo por ser esta medida de direito e de JUSTIÇA!” (fl. 40).
Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO .
5. A possibilidade de suspensão, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, de execução de decisões concessivas de segurança, de liminar e de antecipação dos efeitos de tutela contra o Poder Público somente se admite quando presentes, simultaneamente, os seguintes requisitos: a) as decisões a serem suspensas sejam proferidas em única ou última instância pelos tribunais locais ou federais; b) tenham potencialidade para causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas; c) a controvérsia tenha índole constitucional. Confiram-se, por exemplo, a Rcl n. 497-AgR/RS , Relator o Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ 6.4.2001; a SS n. 2.187-AgR , Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e a SS n. 2.465 , Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.
6. Apesar de ser possível argumentar que, nos termos da legislação regulamentadora da contracautela, requerimento de suspensão ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça ou deste Supremo Tribunal dependeria da manutenção da decisão monocrática pelo órgão colegiado do tribunal no julgamento de agravo interno, a ser realizado na sessão seguinte à interposição (
§ 4º do art.
4º da Lei n.
8.437/1992), este Supremo Tribunal tem excepcionado, em situações específicas, a necessidade do julgamento desse recurso para fins de esgotamento de instância (por exemplo: Suspensão de Segurança n. 2.260-AgR, Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJe 30.4.2008; Petição n. 2.455, Ministro Gilmar Mendes, DJ 1º.10.2004; Suspensão de Segurança n. 2.491, Ministro Nelson Jobim; Suspensão de Tutela Antecipada n. 101-AgR, Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJe 24.4.2008).
Esse entendimento afina-se, por exemplo, com a lição de Marcelo Abelha Rodrigues, segundo o qual:
“Insta observar que, nos casos em que é concedida a liminar pelo tribunal de origem, nada impede que o Poder Público recorra desta decisão aviando o agravo regimental, que será julgado pelo plenário ou órgão especial do próprio tribunal. Todavia, como tal agravo é desprovido de efeito suspensivo (não se coaduna com o seu regime), só será possível pleitear a sustação da eficácia da liminar quando esta cause risco de grave lesão ao interesse público, o que deverá ser feito por suspensão de segurança endereçada ao STJ e/ou STF. Portanto, não é a interposição do agravo regimental que ‘usurpa a competência’ do STJ ou do STF, senão apenas quando se pretende por este meio, ou outro qualquer (mandado de segurança contra ato do desembargador que concedeu a liminar ou ação cautelar com esse mesmo desiderato), obter a suspensão da eficácia perante a própria corte de origem. Repita-se que, havendo necessidade de sustar a eficácia da liminar, o remédio cabível é o pedido de suspensão de segurança endereçado os tribunais de cúpula (STJ e/ou STF)” (in Suspensão de Segurança – sustação da eficácia de decisão judicial proferida pelo Poder Público. 3ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2010, págs. 108-109).
7. Consta do sítio do Tribunal Regional Federal da Primeira Região que contra a decisão objeto do presente requerimento de contracautela foram interpostos agravos internos pelo Ibama (Petição n. 4.064.542, de 3.11.2016) e pela Suzano Papel e Celulose S/A, com pedido de atribuição de efeito suspensivo (Petição n. 4.037.818, de 30.9.2016), os quais ainda aguardam julgamento pelo órgão colegiado competente.
Tem-se demonstrado, assim, o cabimento da presente contracautela pelo excesso de prazo no julgamento dos agravos regimentais (Suspensões de Tutela Antecipada ns. 310, 311, DJe 18.3.2009; 305, DJe 26.2.2009; e 249, DJe 30.9.2008, proferidas pelo Ministro Gilmar Mendes no exercício da Presidência deste Supremo Tribunal).
8. Na espécie vertente a decisão cujos efeitos se busca suspender, proferida do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, determinou à empresa que se abstivesse de expandir o plantio de eucalipto, com interrupção do processo de desmatamento do cerrado maranhense na região do Baixo Parnaíba, tendo em vista que “a tutela cautelar constitucionalmente prevista no art.
225,
§ 1º,
V e respectivo § 3º, da
Constituição Federal, na linha autoaplicável de imposição ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e gerações futuras (CF, art. 255, caput), tudo em harmonia com o princípio da precaução” (fl. 7-8 do edoc. 13).
Apesar da natureza constitucional da matéria debatida, quanto ao ente federado requerente, a determinação cingiu-se à observância do seu dever-poder legal de fiscalizar e acompanhar, pelo órgão ambiental competente, as medidas impostas em defesa do meio ambiente.
9. Essa circunstância denota que o atendimento da pretensão deduzida neste requerimento de suspensão representaria dano inverso, configurando lesão ao meio ambiente, como demonstra o requerimento do Maranhão para migrar do polo passivo para o ativo da ação civil pública, o qual teve “por objetivo precípuo a fiscalização das condicionantes estabelecidas na licença ambiental expedida em favor da empresa
Suzano Papel e Celulose S.A.” (fl. 2 do edoc. 3).
10. Descabida, nesses termos, a pretensão do Estado de imiscuir-se no dever de proteção do meio ambiente (inc. VI do art.
23 da
Constituição da República), desconsiderando princípio da ordem econômica (inc. VI do art.
170 da
Constituição da República).
11. Pelo exposto, carente de base legal, nego seguimento ao pedido (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
Publique-se e arquive-se.
Brasília, 21 de fevereiro de 2017.
Presidente