Cenário de diversos conflitos fundiários nos últimos 10 anos, a gleba
Tauá, extensa área da União localizada no município de Barra do Ouro
(TO), é alvo nesta semana de um novo desmatamento realizado pelo
empresário catarinense Emilio Binotto, que grilou a área para plantar
soja, milho e criar gado.
(CPT Tocantins / fotos: Douglas Mansur)
Ao menos cinco tratores com correntões são responsáveis por derrubar
todo o Cerrado que encontram pela frente. As fotos da matéria, tiradas
em 13 de maio – mesmo dia em que era lançado em Palmas o decreto do
Matopiba, que pretende aumentar a produção de grãos no Cerrado –,
mostram o tamanho das correntes e o maquinário pesado utilizado na
destruição do bioma local.
Segundo informações de um dos tratoristas, o sojeiro pretende
desmatar uma área equivalente a cerca de 800 campos de futebol. A área
total desmatada desde a chegada de Binotto pode chegar a 11 mil
hectares. Acompanhadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de
Araguaína (TO), as cerca de 20 famílias tradicionais, que vivem há mais
de 50 anos na gleba, e outras 66 famílias que passaram a ocupar as
terras na última década, estão ficando ilhadas e encurraladas diante da
força do desmatamento e da violência exercida pelos funcionários do
grileiro. Binotto é dono de um dos maiores grupos empresariais ligados
ao ramo de transportes do estado de Santa Catarina.
Rios, córregos e nascentes estão desaparecendo devido ao assoreamento
ocasionado pela devastação da natureza. “Antes eu andava por essas
terras e sabia exatamente onde ficava cada grota d’água, cada caminho
para as casas das famílias amigas. Hoje em dia, com esse desmatamento,
eu não reconheço mais nada, não sei mais caminhar por aí”, afirma
Raimunda Pereira dos Santos, moradora tradicional que vive na área há
mais de cinco décadas.
Em muitos casos, o corte desenfreado das árvores chega a beirar as
casas das famílias, deixando o local impróprio para desenvolver qualquer
tipo de produção característica da agricultura familiar. “Essa prática
serve também como forma de pressionar as famílias para que elas saiam
dali, pois nota-se que o fazendeiro desmatou, mas não plantou nada. Mas o
pior vem depois, quando a soja ou o milho são plantados nos arredores e
são despejados os diversos tipos de agrotóxicos”, aponta o agente da
CPT, Pedro Ribeiro.
Histórico
Assim, como tantos outros casos, as causas do atual conflito na gleba
Tauá remetem à arrecadação da área de 17.735,0000 hectares pelo extinto
Grupo Executiva de Terras do Araguaia Tocantins (GETAT), em maio de
1984, à revelia das populações que ali viviam e trabalhavam.
Com isso, centenas de camponeses tiveram seu modo de vida tradicional
alterado de forma drástica. Essa grande área da União, a partir de
1992, passou a atrair interesse econômico de pessoas do sul do país, que
consideraram essas terras “sem dono”, o que levou a um processo de
expulsão dos moradores tradicionais, cercamento dos campos e
desmatamento ilegal, como registrado junto ao Ministério Público Federal
em 2007.
A partir de 2009, novas tentativas de expulsar os camponeses foram
intensificadas com o advento do Programa Terra Legal. Parte da gleba foi
dividida entre 14 “laranjas” que entraram com procedimento no órgão
para regularizar as terras. Os processos estão em última instância
administrativa dentro do MDA, e nove já tiverem pareceres desfavoráveis
aos grileiros. Foi nesse contexto que ocorreram vários episódios de
queima de barracos, envenenamento dos rios, uso da força policial local
em apoio aos fazendeiros, desmatamento, pistolagem para expulsar as
famílias e intensa titulação das terras da União por parte do Instituto
de Terras do Tocantins (Itertins).
Inúmeras audiências públicas foram realizadas com Ministério Público
Federal, Incra, MDA, Naturatins, Ibama, Itertins, Ouvidorias Agrárias
Regional e Nacional entre outros, sem qualquer avanço concreto na
resolução do impasse. “Os agentes do Estado simplesmente permitem que
inúmeras áreas tituladas e de ocupações dos sertanejos sejam
assenhoreadas por forasteiros, numa verdadeira reconcentração
fundiária”, avalia Silvano Rezende, advogado da CPT. De acordo com a
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra 2014/2015, o
Tocantins produziu 2,335 milhões de toneladas de soja. A gleba Tauá
situa-se na região que é a maior produtora do grão no estado.
Denúncia da CPT, reproduzida pelo Portal EcoDebate, 21/05/2015
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