O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
VARA DE INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS SUSPENDE JUDICIALMENTE, A PEDIDO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, O PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA WPR, EM TRAMITAÇÃO NA SEMA, PROTEGENDO A COMUNIDADE DO CAJUEIRO!
Decisão na íntegra, abaixo:
AÇÃO CAUTELAR 46221-97.2014.8.10.0001 (494772014) REQUERENTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO DEFENSOR: Alberto Guilherme Tavares de Araújo e Silva REQUERIDO 1: ESTADO DO MARANHÃO Endereço Av. Euclides Figueiredo, s/n, Ed. Nagib Haickel, 3º andar, Calhau REQUERIDO 2: WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE PORTOS E TERMINAIS LTDA ADVOGADO MA8372 - Adolfo Silva Fonseca DECISÃO CONCESSIVA DE MEDIDA LIMINAR RELATÓRIO Trata-se de pedido de liminar formulado por DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO contra ESTADO DO MARANHÃO no qual requer seja determinado ao requerido que: i) Abstenha-se de dar seguimento ao processo licenciatório do Terminal Portuário de São Luís - WPR (Processo SEMA n. 108205/2014), até o julgamento da presente ação. Afirma a autora que a WPR SÃO LUIS GESTAO DE PORTOS E TERMINAIS LTDA pretende implantar terminal portuário no Distrito Industrial de São Luís, mais precisamente na região em que hoje resta assentada a comunidade tradicional do Cajueiro. Informa que a comunidade do Cajueiro se acha regularmente assentada na área, pelo Estado do Maranhão, desde 1998, conforme escritura pública condominial registrada junto ao 2º Cartório de Registro de Imóveis de São Luís. Refere, ainda, que a região é objeto de procedimento administrativo que visa a criação de uma reserva extrativista (Resex Tauá-mirim). Afirma que o empreendimento do terminal portuário se encontra em fase de aprovação de licença prévia pelo Estado do Maranhão, por meio da SEMA. Informa, ainda, que não consta de pedido de licenciamento perante o IBAMA, conforme documento de fl. 202. Requer a concessão de medida liminar no sentido de que seja suspenso o processo licenciatório para a instalação do terminal portuário, tendo em vista os princípios da legalidade e da prevenção. Às fls. 213/217 foi concedida, em parte, a liminar requerida contra a WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE PORTOS E TERMINAIS LTDA. Devidamente intimado para se manifestar em 72 horas, o Estado do Maranhão silenciou quanto ao pedido de liminar contra si formulado. Às fls. 229/231, a autora requer a apreciação do pedido de liminar contra o Estado do Maranhão e, na oportunidade, junta aos autos recortes de matérias jornalísticas sobre a instabilidade na área da comunidade do Cajueiro. A requerida WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE PORTOS E TERMINAIS LTDA juntou aos autos, às fls. 233/243, cópia do recurso de Agravo de Instrumento interposto contra a decisão de fls. 213/217. Às fls. 245/279, a Defensoria Pública junta documentos. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO O processo cautelar, de cunho instrumental, tem o condão de possibilitar ao titular da pretensão a tutela que resguarde o seu direito contra eventual ofensa iminente, que possa lhe causar lesão irremediável ou de difícil reparação, de tal sorte que o emprego de outras formas de atividade jurisdicional provavelmente não se revelaria eficaz, seja para impedir a consumação da ofensa, seja mesmo para repará-la de modo satisfatório. Barbosa Moreira, explicando o caráter urgente das medidas cautelares, acentua que não é possível investigar, previamente, de maneira completa, a real concorrência dos pressupostos que autorizariam o órgão judicial a dispensar ao interessado a tutela satisfativa: ele tem de contentar-se com uma averiguação superficial e provisória, e deve conceder a medida pleiteada desde que os resultados dessa pesquisa lhe permitam formular um juízo de probabilidade acerca da existência do direito alegado, a par da convicção de que, na falta do pronto socorro, ele sofreria lesão irremediável ou de difícil reparação. (MOREIRA, 2010, p. 309) Nesta decisão, a análise cinge-se ao pedido formulado contra o Estado do Maranhão, vez que na decisão de fls. 213/217 foi apreciado o pedido formulado contra a WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE PORTOS E TERMINAIS LTDA. Encontro-me diante da seguinte situação: de um lado uma comunidade humilde que, há quase cem anos, habita uma área regularmente assentada, da qual retiram todo o seu sustento por meio de trabalho digno e conservam sem modo tradicional de viver. De outro, de forma não menos digna, mas em posições totalmente contrárias, o Estado do Maranhão e a WPR São Luís Gestão de Portos Ltda. A lide não se circunscreve apenas a questões atreladas ao domínio da localidade denominada Cajueiro. Em sentido contrário, diz respeito à remoção de dezenas de famílias de um local que há anos habitam e desenvolvem suas atividades de subsistência. Ainda que o cerne da questão fosse a posse do local, em uma análise liminar, assistiria razão à Defensoria Pública, visto que ficou comprovado nos autos a regularidade do assentamento e o justo título com registro no Cartório de Imóveis (fls. 30/31). A requerida WPR, no bojo do recurso de Agravo, fundamentou sua pretensão no domínio da área, fazendo alusão a um suposto título de propriedade que aduz possuir. Admitindo-se a existência do aludido título, a posse da área militaria, ainda assim, em favor dos assistidos pela Defensoria Pública, fator este que contribui, inclusive, para a manutenção da decisão recorrida. Ademais, o deslocamento de um grande número de famílias (750 de acordo com o Estudo de Impacto Ambiental - fl. 246) de forma involuntária para instalação de empreendimento portuário, sem a complementação de medidas atenuantes, pode ocasionar diversos problemas de ordem socioeconômica, dentre os quais o empobrecimento pela perda do patrimônio ou fonte de renda, a desagregação dos sistemas de produção, realocação de pessoas para localidades onde sua capacidade de produção pode ser menos utilizada, instituições comunitárias e as redes sociais são enfraquecidas, dispersão de grupos de familiares, e a identidade cultural, autoridade tradicional e o potencial para ajuda mútua se perdem ou diminuem. Sob outro prisma, em matéria ambiental, dois princípios norteiam de forma marcante a reflexão jurídica, quais sejam, o da prevenção (preocupação com o dano provável) e o da precaução (preocupação com o dano razoavelmente possível). Na hipótese, a tutela cautelar pretendida se baseia justamente no princípio da precaução, pois visa resguardar o meio ambiente de um dano possível, de larga escala, decorrente da instalação de terminal portuário em área ocupada regularmente por uma comunidade. O Estado do Maranhão teve a oportunidade de trazer informações aos autos, juntando os documentos necessários, para contribuir na formação do juízo ora emitido, mas não o fez, impossibilitando a análise da regularidade do procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento. O procedimento de licenciamento, conforme afirmado e comprovado pela autora (fl. 202), tramita somente perante o órgão de licenciamento estadual, a despeito de sua natureza (instalações portuárias no mar territorial) que, obrigatoriamente, o submete a análise pelo IBAMA. Ademais, conforme consta do documento de fl. 230, existem notícias de que a comunidade afetada não fora devidamente cientificada do procedimento, o que, em tese, macularia o licenciamento pela falta de publicidade e devida ciência dos diretamente afetados pela instalação do empreendimento. Para o desenvolvimento de atividades ocasionadoras de danos ambientais é imprescindível que no procedimento que antecede o seu licenciamento haja a participação dos afetados, ofertando-lhes a oportunidade material de se manifestarem no processo, por exemplo, com a ocorrência de audiências públicas em locais próximos da comunidade, a fim de não se inviabilizar o acesso. Em Juízo de cognição sumária, pelos motivos expostos acima, vislumbro a fumaça do bom direito no pedido da autora. O periculum in mora está presente, tendo em vista a instabilidade social que tem causado toda a celeuma na área ocupada pela comunidade do Cajueiro, conforme já assentado na decisão de fls. 213/217 e do que consta dos documentos juntados às fls. 230/231, aliada a necessidade de resguardo dos direitos dos afetados. No caso em apreço, tendo em vista a natureza cautelar da medida ora deferida, não há perigo de irreversibilidade. Assim, por medida de cautela, merece deferimento a liminar pleiteada contra o ESTADO DO MARANHÃO, ante a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. DISPOSITIVO Diante do exposto, DEFIRO A LIMINAR REQUERIDA contra o ESTADO DO MARANHÃO e, por conseguinte: a) DETERMINO que o requerido ESTADO DO MARANHÃO se abstenha de dar seguimento ao processo licenciatório do Terminal Portuário de São Luís - WPR (Processo SEMA n. 108205/2014), até o julgamento da presente ação. Fixo multa diária, em caso de descumprimento, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Quanto ao recurso de Agravo de Instrumento interposto pela requerida WPR, mantenho a decisão de fls. 213/217 por seus próprios fundamentos, visto que os argumentos trazidos pela requerida não possuem força suficiente para modificar o entendimento exposto na decisão questionada. OFICIE-SE à eminente Desa. Maria das Graças de Castro Duarte Mendes, relatora do Agravo de Instrumento nº 9569-84.2014.8.10.0000, no intuito de prestar as devidas informações (CPC, art. 527, IV). INTIME-SE. CITE-SE o requerido ESTADO DO MARANHÃO para responder a ação, no prazo de 20 dias (CPC, art. 802), indicando as provas que pretende produzir. CUMPRA-SE. Cópia da presente decisão servirá como mandado. São Luís, 04 de novembro de 2014. DOUGLAS DE MELO MARTINS Juiz de Direito Titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos Resp: 147777
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