A goiaba-araçá e as cabeceiras do riacho Toca
Eles formavam um grupo. Eles não derrubariam a mata, nem arrancariam
os tocos e nem plantariam o arroz, nada fariam juntos, mas agiam como um grupo,
afinal eram parentes ou quase parentes e suas áreas de roça se ligariam assim
que derrubassem a mata e começassem os plantios. O primeiro ano que Vicente de
Paula roçou a Chapada e plantou arroz foi em 1974. Ele acompanhara o seu
padrasto. Os dois não viram outra saída: o proprietário da área onde plantavam
dissera para procurarem outro lugar. A mudança de Vicente e de seu padrasto para a
Chapada ocorreu em função da diminuição de áreas agriculturáveis localizadas
nas proximidades do povoado Carrancas. Eles foram atrás de espaço. As pessoas
perguntavam ao Vicente se enlouquecera. Quem aguenta a sequidão da Chapada? A
dona Rita, esposa do Vicente, visitou-o e ao ver a situação do plantio de
arroz, coberto de mato, questionara-o: “Desse plantio sairá alguma coisa para
comermos?”. Transcorreram três meses até que o arroz ganhasse volume e pudesse
ser colhido pelo Vicente. O Vicente de Paula perdeu várias safras de arroz por
conta das secas consecutivas nos anos 80. A seca fustigava os agricultores de
um lado e a crise econômica do outro. Um agricultor trocava uma saca de farinha
por um quilo de feijão. A prefeitura de Buriti de Inácia Vaz incentivava os
agricultores a... capinar matos na estrada?!!! Os agricultores recebiam uns
trocados por isso. Esse quadro desolaria qualquer um. Não foram poucas as vezes
em que Vicente pôs os pés na estrada. Sempre que viajava, e essas viagens
duravam dois meses cada uma, deixava um dinheiro para Dona Rita manter a casa e
os filhos. Em um dos retornos dessas viagens, fixou residência de vez na
Chapada. A propriedade de 18 hectares, onde morara por vários anos, destinou a
sua filha. O Vicente ponderou bastante antes de se mudar para a Chapada. Eles
se deparariam com a escassez de água e sem água na Chapada a vida se
desguarnece. Contaram com a cara e a coragem na hora da mudança. A água foi
obtida com a construção do poço, mas a família se investiu mesmo foi de
coragem. A monocultura da soja amedrontava os agricultores que possuíam áreas
de Chapada. Os funcionários de uma fazenda de soja proibiram o Vicente e o
Baltazar, irmão do Vicente, de lavrarem a terra porque a terra pertencia ao
André, patrão deles. A proibição não
surtiu efeito. O André julgava inaceitável que o Vicente e sua família se apossassem
de 160 hectares. O seu projeto prevê o desmatamento das áreas do Vicente, do Adão,
tio do Vicente, do Francisco, vizinho do Vicente, e do seu Onésio. Essas áreas juntas
somam mais de 600 hectares. Por várias vezes, o André, ou algum funcionário seu,
propôs a troca da Chapada do Vicente por um terreno mais próximo do rio por
conta da água. Ele adquiriu terrenos próximos ao rio Preto por valores
irrisórios com a intenção de troca-los no futuro por áreas de Chapada. Argumenta-se
que o trato com a Chapada estorva o agricultor familiar. A Chapada não incomoda
mais o Vicente de Paula. Ele a domou com o arroz. O grupo de agricultores que
lidera plantou arroz justamente no trecho da Chapada em que o convívio do
Vicente e do André estremece mais. O Vicente, o Baltazar e o João, genro do
Vicente, roçaram esse trecho porque espécies extrativistas como o bacurizeiro e
o pequizeiro se desincumbiram dele. Acaba que cada pedaço de Chapada desempenha
uma função para a agricultura familiar. A função do extrativismo se destaca nas
áreas só de bacurizeiro, nas áreas só de pequizeiro e nas áreas só de
muricizeiro. Entretanto, frutas como a goiaba-araçá e a murta são pouco
valorizadas pelos agricultores nessa parte do Baixo Parnaiba maranhense. A
valorização da goiaba-araçá, no caso da propriedade do Vicente de Paula,
dificultaria as pretensões do André sobre uma parte da Chapada e protegeria as
cabeceiras do riacho Toca, afluente do rio Preto.
Mayron régis
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