As águas de São Bernardo
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Dificil arrancar algo dela, um
sorriso que seja. Ela pouco falava de si. Pretendia se formar em jornalismo
pela universidade pública. A sua região era desprovida de ensino publico de
terceiro grau. Ela mudou-se para a capital a fim de morar com a tia, irmã de
seu pai. As duas se assemelhavam. A sua tia nunca abandonara o povoado onde
nascera e nem o povoado a abandonara. Preferia o peixe da água doce, pescado
nas águas do rio Parnaiba, ao peixe da água salgada, pescado no oceano. A
família enviava vários quilos durante o mês para ela matar as saudades de
Magalhães de Almeida. Mede-se a distância entre São Luis e Magalhães de Almeida
em mais de quatrocentos quilômetros. A saudade se mede pelos peixes e pelos
parentes que chegam. As pessoas se deslocam quilômetros com muitos propósitos,
uns bem claros e outros bem obscuros, “a obscuridade do instante vivido” (Ernst
Bloch), e um desses propósitos é descobrir parte de sua existência ou fazer com
que ela adquira outra coloração. Um pouco depois de desembarcar na casa da sua
tia, alguém pediu que ela escrevesse a respeito de sua cidade. A menina se
mantinha soturna. A escrita talvez conseguisse traze-la para mais perto. A
cidade grande exige que você seja esperto para sobreviver. Ela viu no pedido
algo extraordinário que não fazia parte de sua natureza contemplativa. As cidades pequenas foram criadas para a
contemplação. Dava para afirmar que ela era a própria cidade de São Bernardo. Distante,
calada, familiar. Contando com a boa
sorte, ela rememorou os povoados onde presenciara igarapés de grande e intenso
volume de água. Por muitas vezes, ela se banhou no povoado São Raimundo. A
nascente desse banho firma-se na Chapada de propriedade do Junior Esperança.
Ele impede a retirada de madeira. Caso consentisse com a retirada, isso
danificaria gravemente a Chapada porque nela se acentuam os bacurizeiros. A
área do Junior Esperança se confronta com as áreas de São Miguel, da Baixa
Grande e do Cajueiro. Os problemas que essas comunidades enfrentam com relação
à água se agravaram nos últimos anos com a diminuição na quantidade de chuva
que caía no leste maranhense. Houve em algum momento floresta em São Bernardo,
mas hoje, com os desmatamentos para a produção de carvão vegetal em
determinadas épocas por parte da Margusa e os desmatamentos ocasionados pelas
atividades agrícolas de pequenos, médios e grandes proprietários, o que
prevalece são árvores de pequeno e médio porte. Algo conspirou para que o município
de São Bernardo não sofresse com o ciclo econômico da soja como outros municípios
do Baixo Parnaiba sofreram. As comunidades sabiam o que lhes aguardava caso a
soja entrasse como entrou em Brejo, Anapurus, Buriti e Magalhães de Almeida. Os
conflitos das comunidades com a Margusa na região da Baixa Grande permaneciam
frescos na memória de muita gente. Gilvan Alves, vereador por dois mandatos,
aprovou projeto de lei que impedia o desmatamento, a produção de carvão e o
plantio de monoculturas. As empresas preferem agir através de intermediários
para não atrair atenção e resistência. A comunidade de Cajueiro segurou uma
barra muito pesada nos anos de 2005 e 2006. De repente, uma turma (politicos,
grileiros e gente da própria comunidade) chegou para abiscoitar a Chapada. O
presidente da associação de Cajueiro, o senhor Francisco, recupera os dias em
que com o dinheiro contado viajava para São Luis e reunia-se com os
funcionários do Iterma. Essa sua força de vontade resultou na criação do
assentamento. Segundo o senhor Francisco, os moradores
preservam 85% da área total do assentamento. Eles apresentam um alto nível de organização
social e de organização na produção e essa organização se mostrou mais firme no
dia em que a Suzano propôs arrendar os 900 hectares para plantar eucalipto. A
empresa engatilhara a compra da área do Junior Esperança e ansiava pela
autorização do desmatamento de 15 mil hectares do Enxu na fronteira com Santa
Quiteria. A comunidade recusou a proposta, a compra da propriedade do Junior
esperança não teve êxito e o projeto da Suzano fracassou por completo na região
do Baixo Parnaiba maranhense. O que pega para Cajueiro assim como para São
Miguel, Baixa Grande, Alto Bonito e São Benedito, povoados de São Bernardo, são
os desmatamentos na beira dos afluentes do rio Buriti que cortam as comunidades.
Mayron Régis
lindo texto sobre a resistência...que permaneça garantindo a riqueza do campesinato....
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