A pistolagem não é um crime solitário
A pistolagem não é um crime
solitário. Ela não surge de repente na cabeça de um sujeito qualquer disposto a
tudo para satisfazer seus instintos. Ela não é uma obra poética em que o autor
perde suas noites. A poesia nem chega perto onde há pistolagem. Dizem que no
Maranhão se escreve e fala-se o melhor português. Batizou-se essa assertiva com
o orgulho de uma elite para a qual bastava educar seus filhos no único colégio
de qualidade de São Luis enquanto a maior parte da população se mantinha pobre
e deseducada. “O melhor português” era falado por menos de 1% da população do
Maranhão. Para quem escutava, “o melhor português” soava limpo. A elite
maranhense, através da educação, limpava-se dos “vícios” das camadas
populares. A pistolagem é a forma que
essa elite encontrou de fazer limpeza social em locais e em situações nos quais
os meios jurídicos não respondem rapidamente ou não respondem de um jeito que
lhe agrade. O que agrada uma elite, ainda mais uma elite escravocrata e
predatória como a maranhense? Agrada que seu comportamento e suas ideias sejam engrandecidos.
As obras literárias que a elite maranhense reverencia, geralmente, sonegam
informações sobre o passado escravocrata e violento dessa mesma elite. O
Mulato, escrito por Aluizio de Azevedo no final do século XIX, é o grande
romance maranhense e depois dele mais nada. A disputa politica também se dá no
campo estético e a elite maranhense prefere que uma obra como “O Mulato” não
seja atualizada em sua critica. Direciona-se o investimento público na
construção de um discurso que impeça a critica ao escravagismo e ao latifúndio de
aflorar. “O melhor português” tem esse papel. Quem fala “ o melhor português” é
gente branca que administra o Estado e suas ramificações no cotidiano das
pessoas. Não se estranha, portanto, que um juiz como o de Chapadinha faça vista
grossa aos pistoleiros contratados pelo proprietário da fazenda Tiúba para
expulsar famílias de agricultores familiares de sua terra. Ele conhece “o
melhor português”, aquele que só os brancos ricos entendem. Então, como escrito
acima, a pistolagem não é um crime solitário. Ela precisa do juiz que orienta o
proprietário da fazenda Tiuba numa conversa particular. Ela precisa do
proprietário que a contrata. Ela precisa da prefeita de Chapadinha que pretende
comprar a terra para retirar areia da calha do rio.
Mayron Régis
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