O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
domingo, 17 de novembro de 2024
A cidade que demorou a ser cidade
A maioria dos mercados e feiras de São Luís data do século xx. O mais velho de todos e o mercado das tulhas que começou a sua vida operacional no século XIX. Quando se refere a cidade de São Luís logo vem a ideia de que o seu centro histórico se origina do século XVII. Pouca coisa vem do século XVII. A maior parte vem do século XVIII pra frente. E bom ter cuidado com a expressão antigo ou antiga. Alguém realmente acreditava que o mercado das tulhas surge no século XVII sendo que do ponto de vista histórico ele é recente. São Luís no século XVII ainda não era uma cidade. Como as pessoas se alimentavam se não havia mercados ou feiras para distribuírem a produção agrícola? Uma cidade para se manter precisa de infra estrutura que só veio com o devido tempo. As perguntas que os turistas e os próprios moradores de são Luís fazem revelam uma incompreensão com relação ao tempo. "Quantos anos tem São Luís? Ela e mais velha que Lisboa? São cidades quase idênticas". Não há comparação entre uma e outra. Lisboa tem vinte séculos nas costas. São Luís só tem 412 anos.
Os ensaios
Como não se tocara para isso ? Machado de Assis era romancista contista cronista e também era ensaísta. Por um mero acaso descobrirá essa habilidade. Um amigo trouxe uma edição capa dura constando várias crônicas de Machado com a intenção de lhe vender. "Ah, pensou, tenho tantos livros de Machado...". O amigo tanto insistiu que lhe convenceu. Folheou o livro despretensiosamente. Nada em Machado e despretensioso. Tudo tem uma razão. Quem sabe algum dia alguém crave determinado ano como o ponto de partida da carreira de Machado. Com certeza, essas crônicas da década de 60 do século XIX, ele tinha um pouco mais de vinte anos, podem ser analisados enquanto um dos pontos de partida. Tem tudo lá do que se habituou a ler em sua obra madura: o cinismo, a ironia, a dissimulacao, a caricatura, a hipocrisia, a análise política, a visão universal e etc. O que e bom na leitura dessas crônicas e observar algo que ele perdera com o tempo, o caráter ensaísta resultado do contato com autores gregos romanos e franceses e ingleses dos séculos XVII e XVIII tipo o ensaísta frances Montaigne. Ensaio e como se fosse iniciasse uma jornada por um caminho que se multiplicará por cem durante a narrativa sem ter que chegar a uma conclusão. Em muitos casos, a conclusão e o que menos importa no ensaio. Duas grandes obras literárias brasileiras são ensaios disfarçados de jornalismo ou romance: os sertões de Euclides da cunha e grande sertão veredas de Guimarães rosa.
O mar e a cidade de Alcântara
O mar é um dos ambientes mais antigos sobre a face da terra que se tem conhecimento. A dimensão dele causa incerteza em qualquer um que o veja. Nem que seja num mapa, vê-lo e imaginar o seu alcance provoca na pessoa uma necessidade de prova- lo. Em outras épocas, navegava-se por ele e a única coisa que restava era conferir as horas, os dias, os meses, os anos, as estações do ano e as estrelas. As estrelas mostravam o caminho por onde se cortariam as águas oceânicas. Por quilômetros não se via nada. E o navegador desejava ver algo para dar certeza ao seu real intento. Para quem não está acostumado, o mar é quase uma barreira intransponível. Suplantar suas águas é para poucos. Em certa medida, o mar representa um passado indisponível para a humanidade. Alcântara é uma cidade cujo passado está disponível, mas a sociedade local e a sociedade maranhense não sabe o que fazer. Por isso, a juventude do município de Alcântara, acha que o patrimônio histórico mais atrapalha, do que ajuda no desenvolvimento econômico e social.
As palavras certas na Amazônia
O que as pessoas querem? O que as pessoas mais querem? Ele queria a sensibilidade de presenciar o rio negro e suas margens na cidade de Manaus e poder dizer algumas palavras. Queria a sensibilidade de se mortificar pelos bancos de areia que apareceram devido a intensa estiagem que a região amazônica enfrentava. A sensibilidade para ser bem transmitida requer as palavras certas que podem ser lidas em um livro ou podem ser ouvidas das bocas de homens e mulheres simples. As palavras certas não ficam na superfície da terra e das águas. Elas se agarram a terra e as águas para de lá não saírem mais. As palavras certas que procurava estavam nos sebos e nas livrarias. Um amigo lhe informara de uma banca de livros do lado direito do principal teatro de Manaus. Não tinha errada. O único erro foi que a banca só abria quatro da tarde. Enquanto aguardavam a abertura encaminharam se para o mercado municipal. Rio e mercado na maioria das cidades são umbilicais. Chegaram tarde e não puderam provar o açaí amazonense. Ouvira diversas vezes que o açaí de uma comunidade se diferencia de uma outra comunidade por mais próximas que fossem. Enfim, não pode sentir a singularidade do açaí fabricado e comercializado no mercado. Fizeram o caminho de volta e viram a banca de livros aberta. Passou a vista e os dedos pelas prateleiras e pelos livros. Constatou o nome Milton Hatoum. Lera um único livro dele. Sentiu se pequeno perante a enormidade do autor. Precisaria ler mais Milton Hatoum e outros escritores do estado do Amazonas para quem sabe ter liberdade na hora de escrever sobre os rios os barcos os peixes os agricultores os indígenas as chuvas a pupunha o tucumã os acaizais os bejus os pirarucus os tambaquis os pássaros as pimentas as roças os cordões sem parecer um impostor.
visões do paraiso
Deu aquele estalo na cabeça lendo Visões do Paraíso de Sérgio Buarque de Holanda. Os brasileiros praticamente não sabem quem foi Pedro Álvares Cabral. Só sabem dizer que ele "descobriu" o Brasil. O cara vem ao Brasil saindo de sua rota para as Índias e inicia as relações comerciais Portugal-Brasil e nada se sabe dele. Os brasileiros preferem manter distância de qualquer assunto que seja realmente importante para sua história. Vejam o caso do Projeto Celmar da Vale que deu origem a fábrica da Suzano de produção de Celulose em Imperatriz. Provavelmente poucos sabem que nos anos 90 a Vale elaborou uma proposta de plantio de mais de 80 mil hectares de eucalipto e de construção de uma fábrica de celulose tudo na região de imperatriz. Não deu certo e o projeto de celulose virou um projeto de siderurgia. A região de Açailândia virou o paraíso perdido da indústria de ferro gusa. Com o tempo a Vale foi se saindo desse mercado e as áreas que ela comprou (grilou?) para o projeto Celmar arrendou para a Suzano papel e celulose nos anos 2010 iniciar seu projeto de uma fábrica de celulose para exportação. Uma dessas áreas arrendadas e a região da Viva Deus na estrada do arroz com mais de 12 mil hectares. Região rica em extrativismo de babaçu rica em agricultura famíliar e rica em benefícios climáticos mesmo com os desmatamentos que uns dizem chegaram a 50% de toda a área. Essa área se encontra em conflito envolvendo mais de 800 famílias que querem a desapropriação dos 12 mil hectares e a vale e a Suzano que desejam plantar eucalipto nela toda. A mais recente proposta feita pelo Incra e que as famílias desistam da área e procurem fazendas para que o incra possa desapropriar. Famílias que lutam pela terra há muitos anos de repente vem suas histórias deixadas de lado pelas conveniências entre Incra Vale e Suzano.
parada de onibus
A parada de ônibus determinava uma posição privilegiada no Bairro e na cidade, pelo menos para aqueles que a usufruiam. Descendo do ônibus a sua rua se abria bem a frente. Então era descer, atravessar a avenida, driblando carros e ônibus, e subir a ladeira que dava acesso a parte alta do bairro. Andava se sossegado pelas ruas se bem que era bom ficar com os olhos atentos para uma eventualidade. A parada tanto atendia os moradores como também atendia os estudantes das instituições de ensino que funcionavam nas proximidades. Dificilmente ele tomava ônibus nessa parada se fosse seu costume teria visto há mais tempo uma placa de vende se na parte de cima da casa na esquina da ladeira. Nada de extraordinário. Quem andava pelo bairro se sentia invadido por placas e mais placas de vende se pregadas ora em paredes ora em portas de inúmeras casas. Com características de novidade pelo bairro envelhecido, só a expressão vende se. O bairro onde morava se encontrava a venda e isso o instigava. Nada que o tirasse muito do sério. Nenhuma das casas a venda lhe dizia respeito. A não ser a casa na esquina da sua rua. Fora uma locadora de vídeo nos áureos tempos de locadoras de vídeo. Não uma excelente locadora, uma locadora simples de bairro. Quem queria excelência em locação tinha que ir ao shopping da parte nobre da cidade. Para algumas pessoas sair de casa com finalidade de alugar vídeo em outro bairro não fazia sentido. O bairro onde moravam respondia por tudo e uma locadora de vídeo por pequena que fosse dava conta do recado. Por algum tempo, deu conta. O próprio cinema do bairro absorveu parte do público durante décadas para fechar os portões por conta da falta de investimento e do desinteresse familiar. Fecharam os portões e fecharam qualquer iniciativa interessante para reabrir o cinema. A casa da locadora também foi fechada. De sinal de vida, a placa vende se. Do lado desta placa subsiste uma outra placa desgastada: Aluga se. Tentaram alugar a casa. Não obtiveram sucesso. Será que pondo a venda a sorte se inverte?