terça-feira, 27 de junho de 2017

Pequenos pescadores



Eles aprenderam a pescar com seus pais. Pescam no Rio Preguiças para se alimentar porque lá ainda tem água. Esses meninos talvez nem sabem que existem um projeto para criação da Bacia Hidrográfica do Rio Preguiças, mas tem a consciência ecológica de que o rio lhe fornece alimentos e fartura de água para banhar, lavar e pescar. Na Comunidade São Raimundo todos pescam seja de dia ou a noite, eles também praticam agricultura e extrativismo. A Francisca me contara sobre suas pescarias com o bando de mulheres do São Raimundo sobre os brejais do Preguiças, os peixes naturais do lugar acham garranchos e juncos para se esconder. Os garotos descem para o rio... rumo aos pesqueiros com seus anzóis em busca das piabas, carás e jacundás. Nesse tempo se pesca bastante porque também é tempo de arroz novo
A pesca artesanal nas comunidades tradicionais não é predatória, serve como segurança alimentar dos ribeirinhos, eles vivem em estreita relação com a natureza e o ambiente do território, tem um profundo conhecimento tradicional sobre a reprodução dos seus ciclos. Os moradores de São Raimundo trabalham a terra e protegem a chapada, o rio depende do cerrado, as nascentes do Preguiças está cercada de eucalipto. Em 2015 a Associação de moradores em parceria com a escola local desenvolveram um projeto intitulado “Água, seu futuro em nossas mãos” que visava a apresentação de um trabalho com os alunos e toda comunidade no que diz respeito a conscientização ecológica e sobretudo entender sobre a grande importância das águas da região para a sobrevivência das pessoas e toda biodiversidade. O Professor Domingos e a Francisca – lideranças de São Raimundo e outros companheiros percorreram uma distancia longa até uma das nascentes do Preguiças, local conhecido como “Barra da Campineira – município de Anapurus”. O sol escaldante sobre o couro dos pesquisadores populares deixava claro sobre as dificuldades enfrentadas na luta pela preservação e também o entendimento de que o agronegócio nada tem haver com os modos de vida das comunidades defensoras das florestas, chapadas e rios. O Suzano teria desmatado uma área próxima a nascente na Barra, a água dali desapareceria e a população sofria com os impactos socioambientais.
Como pescar sem água? Como banhar e cozinhar sem água? Como fazer agricultura sem água? Ironicamente perguntaríamos a nós mesmo! Como já dizia um amigo jornalista “O José Antonio Basto almoçaria uma galinha caipira daquele jeito que só a Francisca sabe fazer”. Muitos eventos já acontecera em São Raimundo, desde encontros, seminários e reuniões de entidades do Brasil e do exterior. O Fórum Carajás entidade apoiadora dos projetos de frango caipira e manejos sustentáveis do bacuri sempre é lembrada nessas reuniões, eles não se cançam, visitam todo Baixo Parnaíba maranhense. Os Pequenos pescadores voltaram do rio com seus anzóis e uma “enfieira” de peixes que servia para o almoço e jantar.

José Antonio Basto                                                                                                              

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sábado, 24 de junho de 2017

Quem entra, quer sair


Se nao fosse pela palavra picarra como definir aquele caminho ? A estrada é de picarra. A picarra é a estrada. (Havia uma pedra no meio no caminho, no meio do caminho havia uma pedra). Se bem que, nao era tao assim uma estrada como se costuma chamar. Ela faz juz ao nome de picarra somente no municipio de Mata Roma. Origina se no municipio de Buriti numa mescla de muito areal e pouca picarra, pois debaixo da vegetacao seja ela o Cerrado ou as monoculturas da soja ou do eucalipto o q se tem e areia. Pois bem, por conta desse areal todo, persistiam duvidas sobre o caminho e sobre a necessidade de retornar a algum povoado pelo qual passaram sem darem muito atencao. Que no caso seria Bacaba e que ficara para tras fazia muito tempo ( Como se fossem outros dias). As pessoas de Araca, comunidade onde se reuniram, denominaram na de a picarra (não tem errada, dia desses Mayron foi até o Marajá e deve se lembrar de como fez) e eles nao ousaram largar essa denominacao por nada deste mundo. So viam eucalipto e rastros de carro e moto pelo areal. Causava apreensao aqueles eucaliptos todos e nenhum vivente sem dar as caras. Ate que viram um grupo que se comportava como se aquele fosse o melhor lugar para confabular. Ainda bem que aquelas pessoas resolveram conversar antes de descerem para suas casas. Se nao quem daria informacoes num lugar ermo como aquele ?
mayron regis

terça-feira, 20 de junho de 2017

A vendedora de capote






Ela sempre vende merenda pelas ruas da cidade de Urbano Santos, mulher mãe de família muito trabalhadora, passa de casa em casa com sua bacia na cabeça. É de praxe vir na sede do nosso Sindicato (STTR) na sala onde trabalho e oferecer suas vendas, vende de tudo: bolos, canjica, beiju de tapioca, suco natural e outras iguarias provindas da agricultura familiar; a gente sempre lhe ajuda comprando seus produtos naturais -, ela mora na comunidade Baixa D`Água há poucos quilômetros da sede. Sua casa fica próximo ao riacho que lhe fornece água para beber, lavar e irrigar sua pequena horta no quintal.

A Irmão Maria utiliza de outras rendas para sustentar sua família, cria animais de pequeno porte -, eu só não sabia da grande criação de capotes que tinha. Os animais vivem soltos numa área de chapada e brejal, disse que às vezes os capotes embrabecem e não voltam mais... Adentram para as chapadas afora. Certo dia ela passava no Sindicato para vender seus capotes; oferecera dois para a diretoria do Sindicato, R$ 30,00 reais cada ave. A Francisca do São Raimundo que hoje ocupa a Secretaria de Finanças do Sindicato os comprou para um almoço parecido com aqueles das reuniões em São Raimundo que o pessoal do Fórum Carajás bem conhece. Irmã Maria faturou R$ 60,00 reais que ajudará na renda de sua família. Os capotes foram preparados para o almoço com leite de coco babaçú – lembrando muito bem os almoços do São Raimundo, Bracinho e outras comunidades da Região do Baixo Parnaíba maranhense. A Francisca não perde seu talento de fazer um bom almoço, ultimamente ela tem se dedicado aos trabalhos burocráticos do Sindicato, mas os capotes só podiam ser preparados por ela.

Irmão Maria, agora quase não mais vende lanches, prefere se dedicar a criação de seus capotes para vender na feira e pra quem interessar compra-los, seus clientes, assim como o Sindicato, já lhe procura quando sente falta. Os manejos de criações de galinha caipira, capotes e cabras tem sido um negócio sustentável muito bom para as comunidades tradicionais no Baixo Parnaíba. Esse sistema muito tem ajudado as comunidades se manter em seus territórios, valendo acentuar os projetos agroextrativistas do Fórum Carajás em várias comunidades de diversos municípios do Baixo Parnaíba. Maria é parte desse trabalho e dessa consciência ecológica-social com suas aves debaixo do braço já é bastante conhecida pelos consumidores.

A vendedora de capote da Baixa D`Água gosta do ofício que faz, sua posse de terra precisa ser regularizada pelo estado. Ela é mais uma das posseiras que aguarda a vinda do ITERMA. Urbano Santos e Beláguas tem muitas áreas de terras devolutas do estado, terrenos ainda não mapeados, terras de associações que precisam ser arrecadadas para fins de Reforma Agrária. Os capotes para se reproduzir e por ser um animal arisco,  precisam de uma grande área. Ela também vende porções de “cozinhado de capote” já preparado, diga-se de passagem, uma iguaria sem igual dos vários e diversificados pratos regionais.



José Antonio Basto                                                                                                              


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domingo, 18 de junho de 2017

O vendedor



Entao, o Deuzim passa um papo de vendedor como nenhum outro. Ele devia um frango caipira a um amigo jornalista. Não se apressara em pagar a divida ate porque o via de ano em ano e quando se viam, o jornalista vinha com pressa. Da próxima vez ele leva (ou não leva). A divida não cresceu. Uma promessa não se guarda. Ela se cumpre. Eles se reencontraram no Baixão da Coceira. A Francisca, presidente da associação, convidara-os para a celebração católica que comemoraria a titulação de mais de duas mil hectares por parte do Iterma. A conversa sobre o frango reapareceu. Dessa vez não escapa. Outras conversas surgiram num crescendo. O Deuzim desejava comprar um celular capaz de fotografar e de acessar internet. Sim, as comunidades de Santa Quiteria acessavam internet. Dez anos atrás, as comunidades se deslocavam para a sede do município quando precisavam ligar ou precisavam acessar internet.   Propôs-se comprar o celular em troca de alguns frangos. O que seriam alguns frangos? Três frangos, podendo chegar a quatro. Tudo bem, so que eles ficam enquanto o celular não vem. Não é besta o moço. Ele foi embora cedo. Almoçaria em casa com a esposa e escolheria o frango. As comunidades de Santa Quiteria se responsabilizaram pela defesa da Chapada. Como viveriam as comunidades caso a Suzano Papel e Celulose e os plantadores de soja espalhassem seus plantios pelos mais de dez mil hectares de extensão da Chapada? Elas viveriam sem quintal, sem bacurizeiros e sem criação de pequenos animais. E sem agua porque o lençol freático se rebaixaria graças ao consumo desenfreado das monoculturas.    

terça-feira, 13 de junho de 2017

São Raimundo não será invadido



Quantos já foram os problemas enfrentados em São Raimundo, um vilarejo no coração do Baixo Parnaíba! Quantos já foram os entraves em que a Associação travara durante tempos, no contratempo! Quanto lhe custaram viagens, formações, participações em encontros e seminários para aprender defender seus direitos garantidos por lei. Esperam que o INCRA compre a terra do Loeff, mas pra isso esse proprietário tem que sentar para negociação com a instituição do Governo Federal. Ele quer vender a terra a preço de mercado, não vale o valor que pede, vale menos que isso – pede milhões numa área que nem ele mesmo a conhece -, se diz proprietário, mas não tem nada por lá, não tem sítio nem fazenda -, não quer abrir mão do imóvel, que apenas o poder. Quem realmente conhece a chapada do São Raimundo são seus moradores que usufruem e tiram dela parte de sua subsistência alimentar.
Em certa reunião do STTR para renovação da delegacia sindical que acontecera no dia 02 de junho deste, na casa da Francisca, o Zé Banga - atual Presidente da Associação contara ainda assustado de um acontecimento estranho; dizia que alguns poucos dias atrás ele terminava os serviços de sua roça à tardinha, mais ou menos umas cinco horas, descia fiscalizando os variantes (picos do terreno) que divide a área da Associação com outros confrontantes – como sempre ele mesmo diz que constantemente faz esse serviço de fiscalização. Percebeu um barulho esquisito nas nuvens: um helicóptero rondava o céu do São Raimundo, fazia um giro nas extremidades do Rio Preguiças e subia até a chapada - para os lados do Bom Princípio e Boa União. Alguém averiguava algo! Quem deveria ser? Os moradores acostumados numa vida pacata e ouvir somente o som dos pássaros e grilos se perguntavam: “Quem está nos filmando?” – “De onde veio esse bicho”? Em meio a essa dúvida, quem realmente teria interesse em sondar de cima pra baixa num helicóptero a situação do São Raimundo? Depois da matéria da TV Mirante sobre a safra do fruto do bacuri no São Raimundo e a resistência da comunidade na luta pela terra e pela preservação ambiental muitas coisas entraram em jogo: um povoado isolado, há mais de cinquenta quilômetros da cidade, que se transformara em exemplo de consciência e forma do trabalho coletivo para outras comunidades do Território do Baixo Parnaíba, essa comunidade a cada momento cresce seu valor existencial. A terra serve como alicerce da vontade de transformação social – os moradores que aguardam melhorias se mantém na área e usam como resistência as práticas agrícolas e extrativistas. A lei de proibição da “não derrubada do bacuri verde” – reforma o sentimento de liberdade e comunhão que eles oferecem a natureza. Precisam conquistar a posse da terra, pois o projeto continua tramitando no INCRA, as 1.136 hectares de terra deve ser desapropriada para as famílias que lá moram e trabalham. São Raimundo está sendo vistoriado não apenas pelos camponeses, mas pela ganancia do capital no campo representado por personagens que não tem o mínimo de respeito pelos movimentos sociais, pela Associação de Moradores... Por nenhum lavrador. “A terra bacurizada das chapadas do São Raimundo vale ouro”.
O Zé Banga, convicto e zangado afirmava no final de sua denuncia que a Comunidade São Raimundo é livre e não será invadida jamais enquanto os caboclos valentes estiverem vivos, a terra é de todos, será defendida com unhas e dentes e não será invadido nem por grileiros, nem por empresas... Nem por latifundiários. A terra será livre.

José Antonio Basto

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O que é e o que não é

Os moradores de São Raimundo, povoado de Urbano Santos, equilibram-se entre o Baixo e a Chapada. O rio Preguiças, por conta das ultimas chuvas, desconjuntou ainda mais esse equilibrio. A ponte (se é que dá pra chamar aquela estrutura de ponte), que liga o povoado de Bom Jesus ao povoado de Bom Principio, não suportou tanta água e precisará de reparos honestos assim que o nivel do rio abaixar. 
A região a que pertencem os povoados de São Raimundo, Bom Principio e Bom Jesus é conhecida como a Bacia do rio preguiças. Uma boa questão : o que é se sentir bacia do rio Preguiças? O prefeito de Belágua, em reunião do Comitê da Baia do rio Munim na cidade de Urbano Santos, discorreu sobre seu orgulho de ser da baia do rio Munim e que não entendia o porque de Belágua e Urbano Satos serem juntados aos municipios da bacia do rio Parnaiba.
A pessoa interge com o rio de diversas formas e, com certeza, ela se recordará dessas interações em algum momento: a pesca, o transporte de barco, o banho, carregar água, a vegetação e etc. Pelo rio Munim, transportavam-se inumeras mercadorias que abasteciam os comércios dos povoados que margeavam o rio. O fato de não haver mais transporte dessas mercadorias selou ou significou a morte do rio w O rio Munim se mantem nitido e vivo em vários pontos apesar do empobrecimento dos povoados e do envelhecimento das pessoas.  
O que é ser da bacia do rio Munim? Seria bom perguntar as quilombolas de Barro Verelho, povoado de Chapadinha, que saem cedo de casa com uma bacia de roupas em cima da cabeça para as lavarem à beira do rio. Ou então, caso não queria, pergunte a familia Leite , proprietária do Barro Vermelho, que retirou areia do leito do rio por anos seguidos até que em decisão recente a justiça federal embargou a mineração em razão dos proprietarios não possurem permissão do DNPM (Departamento Nacional de Pesquisas Minerais).
No seu di a dia, as pessoas tendem a evitar essas perguntas filosoficas. A mulher quilombola se conforma em carregar bacias e mais bacias de roupa porque se não for ela quem será? A familia Leite arranca areia e brita do leito do rio porque existe uma demanda constante para esses materiais por parte da construção civil  O tempo das pessoas não é para pensar sobre os seus atos e as prováveis consequencias deles para si e para o seu ambiente.
O que é ser bacia do rio Preguiças ? O Domingos, educador e agricultor de São Raimundo, percorreu com outros membros da associação vários quilometros, ao longo do rio Preguiças, da Barra da Campineira, em Anapurus, até São Raimundo, durante o verão de 2015. A Suzano Papel e Celulose desmatou a nascente na Barra e plantou seus eucaliptos. A nascente virou secante ou morrente porque o solo expulsava a água em vez de rete-la e com isso as pessoas passavam por necessidades hidricas avassaladoras.
Ao mesmo tempo que a água escorre longe em grande quantidade, ela circula perto das pessoas em pequenas quantidades. Como cozinhar se água? O José Antonio, nativo da bacia do Munim, almoçou uma galinha caipira em São Raimundo "daquele jeito que só a Francisca sabe fazer;" 
Mayron Régis