Ctur5 - Coordenadoria da quinta Turma - Trf1
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO
SECRETARIA JUDICIÁRIA
COORDENADORIA DA 5ª TURMA
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0054607-36.2016.4.01.0000/MA (d)
Processo Orig.: 0017872-59.2016.4.01.3700
RELATOR
ADVOGADO : MA00015120 - JOYNA MARJORE LOPES PINHO
DECISÃO
O juízo monocrático indeferiu o pedido de antecipação da tutela formulado nos aludidos autos, com estas letras:
Em síntese, sustenta que, apesar desse empreendimento (plantio de eucalipto) provocar significativos impactos ambientais, a exemplo do desmatamento de grandes áreas, diminuição dos recursos hídricos e sua contaminação pelo uso de defensivos agrícolas, os corréus
Estado do Maranhão - através de seu órgão licenciador (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais) - e
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA não têm adotado as providências necessárias à prevenção e solução destes danos o meio ambiente, Sustenta ainda que a atividade tem gerado transtornos às comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba.
Pede o deferimento de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para determinar aos corréus o seguinte:
a. SUZANO PAPEL E CELULOSE S/A: imposição de obrigação de não fazer para que se abstenha de expandir os plantios de eucalipto, com interrupção do processo de desmatamento do cerrado maranhense e de implantação de florestas de eucalipto, ressalvada a manutenção dos plantios já existentes;
c.
ESTADO DO MARANHÃO: obrigação de fazer consistente na suspensão da licença de operação concedida ao empreendimento, caso haja o descumprimento da determinação pela SUZANO PAPEL E CELULOSE.
Inicial instruída com documentos (fls. 23/448).
Respostas preliminares apresentadas pelo
Estado do Maranhão, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e pela Suzano Papel e Celulosa 8/A: o
Estado do Maranhão pede migração para o polo ativo da demanda (fls. 452/455); o IBAMA alega (a) ilegitimidade passiva (licenciamento ambiental e fiscalização do empreendimento competem ao órgão estadual do meio ambiente), (b) vedação à antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional (violação à separação dos Poderes e à cláusula da reserva do possível -limites orçamentários como fator condicionante da execução das políticas públicas) e (o) natureza subjetiva da responsabilidade por omissão (fls. 457/462); a Suzano Papel e Celulose S/A (instruída com documentos) com alegação de ilegitimidade ativa do
Ministério Público Federal, incompetência da Justiça Federal e falta de requisitos à antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional (fls. 466/618).
Houve ainda complementação da resposta preliminar apresentada pelo
Estado do Maranhão para esclarece que “(...) o ingresso no polo ativo da presente ação requerido na petição de fls., tem por objetivo precípuo a fiscalização das
condicionantes estabelecidas na licença ambiental expedida em favor da empresa Suzano Papel e Celulose S.A.” (fls. 618/619).
É o relatório.
Examino as questões processuais levantadas.
O
Ministério Público Federal pretende a reparação de dano ambiental devido pelo plantio de eucalipto promovido pela pessoa jurídica SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A na região do Baixo do Parnaíba, bem como pela omissão dos entes públicos (SEMA e IBAMA) em exercer o dever-poder de polícia de fiscalização e condicionamento desta atividade.
A competência material para proteção do meio ambiente é comum aos três entes da Federação, de modo que qualquer um deles pode exercer a fiscalização ambiental em determinado empreendimento cuja atividade esteja provocando dano ambiental (
CF/88, art.
23,
VI).
A legislação de regência (LC
140/2011), ao mencionar que a fiscalização do empreendimento/atividade deve Ler exercida pelo órgão responsável pelo licenciamento, não exclui a atribuição comum de fiscalização dos outros entes federados (art. 72).
Assim é que suposta inércia do órgão licenciador (SEMA) - no caso concreto - autoriza a atuação supletiva (fiscalização) da autoridade ambiental federal (IBAMA) e sua legitimação passiva quando constatada omissão desse dever-poder de atuação supletiva.
Nessas circunstâncias a legitimidade ativa do
Ministério Público Federal para promover a ação civil pública em defesa do meio ambiente (
CF, art.
129,
III) e a consequente competência da Justiça Federal (
CF, art.
109,
I) se fundamentam na presença de autarquia federal no polo passivo da demanda.
Há pretensão formulada contra o
Estado do Maranhão cuja responsabilidade - em tese - decorre do fato de se omitir de seu dever-poder de polícia ambiental.
O pedido de migração de polo, nas circunstâncias acima, se me afigura inconsistente por falta de elementos mínimos que o justifiquem.
DEMAIS QUESTÕES PREJUDICIAIS
Entende o IBAMA que eventual deferimento da tutela de urgência implicaria na violação do princípio da separação dos Poderes e da cláusula de reserva do possível - limites orçamentários como fator condicionante da execução das políticas públicas.
Destaco, a esse respeito e sem desconhecer a existência de certa controvérsia sobre a questão, meu posicionamento quanto à possibilidade de exame do ato público (comportamento administrativo - omissão do Poder Público), que tem como fundamento dever estatal de prestar tutela jurisdicional diante da existência real ou potencial de lesão à esfera jurídica de alguém (
CF, art.
50, XXXV).
Não se trata aqui de atribuir ao Poder Judiciário as funções de formulação e consecução de políticas públicas - encargo primário dos demais Poderes da República -, mas da obrigação de, através da jurisdição, assegurar a eficácia e a integridade dos direitos fundamentais (proteção ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado), os quais podem ficar comprometidos pela eventual violação negativa do texto fundamental, decorrente da possível inércia da Administração Pública em adotar as soluções para sanar as irregularidades descritas na inicial.
Não se ignora, a propósito, a relevância ao tema da questão da reserva do possível, mas é certo que a liberdade de conformação do Estado (sentido ato), no que se refere à concretização dos direitos fundamentais previstos no
texto constitucional, está adstrita ao postulado da supremacia da
Constituição.
É interessante observar, a esse respeito, que a temática da sindicabilidade (controle jurisdicional) do comportamento estatal ganha relevo na doutrina estrangeira - notadamente no direito alemão - sob a ótica do exame do problema à luz da proporcionalidade. Assim e ainda que ela (proporcionalidade) seja francamente utilizada como instrumento de controle da proibição de excesso (Übermaf3verbøt), cresce também sua utilização como instrumento de controle da proibição de omissão ou ação insuficiente (Üntermaí3verbot), pois numa (excesso) como noutra (omissão ou insuficiência) poderá igualmente haver violação à esfera jurídica do cidadão.
Por essa razão, é de todo pertinente o manejo de ação civil pública como instrumento adequado à proteção de direito fundamental, sobretudo por causa da alta significação ambiental de tal atuação.
Passo ao exame do pedido de tutela de urgência
O primeiro de seus pressupostos – existência e elementos de prova que evidenciem a probabilidade do direito alegado – não está presente, ao menos a princípio, na medida em que não há prova técnica a indicar a autoria dos danos ambientais relatados, tampouco irregularidades no processo de licenciamento ambiental instaurado perante o órgão licenciador (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais).
O Relatório de Pesquisa intitulado Conflitos Socioambientais no Leste Maranhense — Problemas provocados pela atuação da Suzano Papel e Celulose e dos chamados gaúchos no Baixo Parnaíba (fls. 26/257) foi publicado em 2012 por pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão.
Essa pesquisa - para além de abranger uma vasta área que engloba os Municípios de Mata Roma, Santa Quitéria e Urbano Santos - aponta, a partir de entrevistas com a comunidade local, os impactos sociais e ambientais provocados pelas atividades exercidas pelo Grupo Suzano e pelos chamados gaúchos.
Não há, contudo, elementos técnicos que delimitem a conduta (ação ou omissão) provocadora - em tese - do dano ambiental descrito e apontem os agentes responsáveis (direta ou indiretamente).
Nessas circunstâncias, a falta de avaliação técnica que permita definir os elementos e o alcance dos danos e de sua origem e, com isso, evidenciar a omissão das autoridades impossibilita a interdição do empreendimento e a suspensão das atividades.
Reforça essa conclusão o fato de não ter sido indicado quaisquer irregularidades no processo de licenciamento ambiental do empreendimento, que foi instaurado perante a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos,
tampouco o descumprimento - pela Suzano Papel e Celulose S/A - das medidas mitigadoras fixadas.
Em outras palavras: a prova que instrui a inicial (Relatório de Pesquisa da UFMA) é insuficiente para afastar a presunção de legitimidade das licenças ambientais expedidas em beneficio do empreendimento; não é possível, pois, afirmar a existência de irregularidades que poderiam comprometer o processo de licenciamento ambiental e que, por sua vez, ensejariam a suspensão das atividades da corré Suzano Papel e Celulose S/A.
Sobreleva enfatizar, ademais, que a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos no Maranhão, por requisição do
Ministério Público Federal, realizou em 2013 uma ação de fiscalização nos empreendimentos de sojicultura e de eucaliptocultura nos Municípios de Urbano Santos, Mata Roma e Santa Quitéria (Nota Técnica do grupo de trabalho instituído pela Portaria SEMA n. 027/2013); neste levantamento ficou constatado que nos empreendimentos fiscalizados a maioria apresentou licença ambiental assim como a autorização de supressão de vegetação. No entanto, constatou-se situação de supressão de espécies proibidas de corte (pequizeiros), sem autorização do órgão ambiental. Nesse caso, houve embargo da atividade e apreensão de máquinas” (fl. 280).
Foram também objeto de registro os seguintes fatos: a. ‘a substituição da vegetação nativa da área de preservação permanente para plantio de soja, caso em que o empreendedor foi notificado a apresentar um Projeto de Recuperação de Área Degradada e Alterada”; b. o aterramento de uma “área de preservação permanente às margens do Riacho do Baixão, no trecho localizado no Km 11 da rodovia MA 225, sentido Urbano Santos — Barreirinhas” (fl. 280).
A despeito da fiscalização promovida pelo órgão ambiental estadual e da constatação de irregularidades, não foram identificados os empreendedores responsáveis por esses atos.
Releva notar, a respeito, que a nota técnica elaborada pela autoridade ambiental (SEMA) foi objeto de análise crítica pelo analista pericial em Biologia do
Ministério Público Federal (Parecer Técnico n. 001/2015-BIO/PRMA/MPF - fLs. 393/396), que elencou os impactos socioambientais observados pela UFMA e pela SEMA na região em debate, mas esclareceu que a SEMA não identificou quais empreendimentos foram fiscalizados, tampouco quais possuíam licenças ambientais.
Nesse contexto, o Relatório de Pesquisa da UFMA não parece suficiente para, por si só, evidenciar a responsabilidade da corré (Suzano Papel e Celulose S/A) pelos danos ambientais provocados pelo desmatamento descontrolado na região sem observância das medidas mitigadoras impostas pelo órgão licenciador.
Prejudicada a análise da urgência.
Com tais considerações, INDEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.
Esta decisão não impede - antes recomenda - o exercício (concreto) das atribuições inerentes às autoridades administrativas do meio ambiente (SEMA e IBAMA), notadamente o exercício do dever-poder de polícia de que estão investidas (proteção ao meio ambiente).
***
Em suas razões recursais, insiste o recorrente na concessão da medida liminarmente postulada nos autos de origem, reiterando as razões deduzidas perante o juízo monocrático, destacando que, diferentemente do que restou consignado na decisão agravada, os fundamentos em que se sustenta tal pleito “não
se limitaram a indicar o desmatamento como o único problema decorrente do empreendimento”, sendo “apontado um conjunto de impactos sociais e ambientais, de forma minudente, com base em levantamentos em campo realizados por um conjunto de pesquisadores”, segundo os quais, os impactos ambientais noticiados nos autos não são decorrentes de uma ação isolada, mas sim da ação empresarial e governamental. “Em poucas palavras: o relatório de pesquisa não foi adequadamente examinado e, por essa razão, não se pôde aquilatar a profundidade das pesquisas realizadas, nem o cotejo das suas conclusões com aquelas prestadas pelos órgãos ambientais. A falta de exame adequado da prova impediu a realização de um juízo adequado sobre verossimilhança das razões levantadas pelo MPF na inicial”. Assevera, ainda, que não se “postulou a suspensão das atividades da empresa, mas sim a proibição da expansão das áreas de silvicultura, vedando-se apenas novos desmatamentos”.
***
Não obstante os fundamentos deduzidos em que se amparou a decisão agravada, vejo presentes, na espécie, os pressupostos do art.
1019, I, do
CPC, a autorizar a concessão da almejada antecipação da tutela recursal.
Com efeito, a tutela jurisdicional postulada nos autos de origem independe da identificação prévia de quem deu causa aos danos ambientais ali descritos, na medida em que tal pleito limita-se à imposição de obrigação de não fazer à promovida Suzano Papel e Celulose S.A, consistente na vedação da expansão das atividades desenvolvidas na área em referência e de novos desmatamentos, com a consequente atuação das pessoas jurídicas de direito público, também promovidas, no sentido de que procedam à devida fiscalização visando a efetiva implementação das medidas restritivas postuladas.
No mais, a pretensão em referência encontra-se em perfeita sintonia com a tutela cautelar constitucionalmente prevista no art.
225,
§ 1º,
V e respectivo § 3º, da
Constituição Federal, na linha auto aplicável de imposição ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e gerações futuras (
CF, art.
225, caput), tudo em harmonia com o princípio da precaução.
Há de ver-se, porém, que, em homenagem à tutela ambiental acima referida, ações agressoras do meio ambiente, como a noticiada nos autos de origem, devem ser rechaçadas e inibidas, com vistas na preservação ambiental, em referência. Na espécie dos autos, contudo, o desmatamento noticiado, que já se operou, e o conseqüente dano ambiental, que já se materializou, não afastam as medidas de cautela necessárias, a fim de evitar-se o agravamento desse dano ambiental, sem descurar-se das medidas de total remoção do ilícito ambiental, na espécie, bem assim, da tutela de precaução, para inibir outras práticas agressoras do meio ambiente, naquela área afetada.
Não cabe invocar-se, aqui, categorias jurídicas de direito privado, para impor a tutela egoística da propriedade privada, a descurar-se de sua determinante função social e da supremacia do interesse público, na espécie, em total agressão ao meio ambiente, que há de ser preservado, a qualquer custo, de forma ecologicamente equilibrada, para as presentes e futuras gerações, em dimensão difusa, na força determinante dos princípios da prevenção e da participação democrática (
CF, art.
225, caput).
Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (
CF, art.
170,
VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006)”
***
Com estas considerações, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, formulado na inicial, para determinar à promovida Suzano Papel e Celulose S/A que se abstenha de expandir os plantios de eucalipto, com interrupção do processo de desmatamento do cerrado maranhense e de implantação de florestas de eucalipto, ressalvada a manutenção dos plantios já existentes, na área descrita nos autos, devendo o
Estado do Maranhão, através de seu órgão ambiental competente, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA acompanhar e fiscalizar a execução da medida restritiva aqui imposta.
Intimem-se os agravados, com urgência, via FAX, para fins de ciência e cumprimento desta decisão, sob pena de multa pecuniária, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por dia de atraso, nos termos do art.
537,
parágrafos, § 1º, incisos I e II, e 2º, do
CPC vigente, sem prejuízo das sanções previstas no parágrafo 3º do art.
536 do referido diploma processual civil e da suspensão da licença de operação concedida à referida empresa Suzano Papel e Celulose S/A.
Oficie-se ao juízo monocrático, comunicando-lhe o inteiro teor da presente decisão, na dimensão eficacial do art.
1008do
CPC vigente.
Intimem-se os agravados, nos termos e para as finalidades do art. 1019, II, do referido diploma legal, abrindo-se vistas, após, à douta Procuradoria Regional da República, na forma regimental.
Publique-se.
Brasília, 15 de setembro de 2016.
Relator