quarta-feira, 27 de março de 2013

Falta de biodiversidade pode aumentar chances de doenças.Entrevista com Norma Labarthe


MCP luta pelo respeito à biodiversidade. Na foto, Maria, camponesa de Vianópolis (GO) mostra seu cultivo de milho crioulo e a mata ao fundo MCP luta pelo respeito à biodiversidade. Na foto, Maria, camponesa de Vianópolis (GO) mostra seu cultivo de milho crioulo e a mata ao fundo (foto: Marina Muniz)
A relação entre biodiversidade e transmissão de doenças vem sendo debatida por especialistas em todo o mundo. Com as constantes mudanças climáticas e a diminuição significativa da biodiversidade, principalmente nos grandes centros urbanos, uma questão muito abordada é como as alterações na biodiversidade podem afetar a transmissão de doenças. A Fiocruz – por meio do Projeto Nacional de Ações Integradas Público-Privadas para a Biodiversidade (Probio), que faz parte do Programa Institucional Biodiversidade & Saúde da Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência – tem trabalhado nessa temática, com intuito de alertar que a biodiversidade equilibrada é uma excelente aliada na prevenção da transmissão de agentes etiológicos de doenças, especialmente daqueles que demandam vetores para completar o ciclo biológico.
Coordenado pela pesquisadora Márcia Chame, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), o Probio está em sua segunda edição e conta com a subcoordenação de Norma Labarthe, também pesquisadora da Fiocruz. Em entrevista ao Informe Ensp, falou sobre a relação entre biodiversidade e transmissão de doenças. Segundo ela, a inclusão do conhecimento científico disponível nos dispositivos legais e criação de guias de vigilância seriam ações governamentais possíveis para reduzir a disseminação de doenças tendo a natureza como aliada. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Qual é a relação entre biodiversidade e disseminação de doenças por vetores, como carrapatos, mosquitos, roedores e outros animais?
O ponto de partida dessa reflexão é: biodiversidade equilibrada é uma excelente aliada na prevenção da transmissão de agentes etiológicos de doenças, especialmente daqueles que demandam vetores para completar o ciclo biológico. A relação nem sempre é direta, mas, simplificando um sistema altamente complexo, podemos dizer que a biodiversidade conservada reduz a disseminação.
Cientistas – inclusive pesquisadores de renomadas universidades internacionais – afirmam que, quanto maior a biodiversidade de uma região, menor é a transmissão de doenças para os homens. Já é possível explicar por que isso ocorre?
O conhecimento atual mostra que a simplificação da biodiversidade desequilibra as relações inter e intraespecíficas e, nesses casos, ocorre alteração dos padrões de transmissão de patógenos. Assim, a alteração pode ser no sentido da inclusão de humanos em um ciclo que antes não os incluía. Imaginemos que, no ambiente em questão, alguns hospedeiros que serviam como fonte alimentar para os vetores desapareceram. Concomitantemente, seres humanos, que são mamíferos de grande porte e, portanto, apresentam grande superfície para que os vetores hematófagos realizem suas refeições, tornaram-se abundantes. É provável que carrapatos e mosquitos infectados passem a se alimentar de sangue humano. Esse é um exemplo de como os vetores podem aproximar os parasitos que circulam no local dos seres humanos e, assim, aumentar as chances de haver emergência ou reemergência de novas doenças.
Poderia citar um exemplo concreto de como a mudança na biodiversidade afeta a transmissão de doenças?
Um exemplo bem conhecido é a doença de Lyme, nos Estados Unidos. O agente etiológico da doença é uma bactéria transmitida por carrapatos, cujo hospedeiro é um camundongo silvestre. O carrapato alimenta-se no roedor e também em outros pequenos mamíferos e passarinhos. Naturalmente, as fontes alimentares dos carrapatos são animais de pequeno porte. Logo, tais animais não têm sangue suficiente para alimentar grandes quantidades de carrapatos.
Quando apareceu, na região, grande quantidade de cervos, que são mamíferos grandes, a oferta de sangue ampliou. Consequentemente, a população de carrapatos também aumentou. Assim, a circulação de carrapatos e de bactérias passou a ser mais intensa. Ao entrarem nesse ambiente modificado, os seres humanos passaram a ser picados por carrapatos infectados pela bactéria e contraíram o que foi descrito como doença de Lyme.
O senso comum diz que, quanto menos animais ao redor, menor é a chance de disseminação de doenças. Essa premissa é falsa?
Generalizar é muito difícil. Se eu devolver a pergunta a você, modificando-a, qual seria a resposta? De qual espécie animal você pode contrair o maior número de doenças? Provavelmente, você pensou o mesmo que eu: de nós mesmos! Tudo o que pega em seres humanos pode pegar em mim. Seguindo esse pensamento, quanto mais parecidas as espécies entre si, maior risco elas têm de contrair alguma doença. Mas precisamos lembrar que, para oferecer perigo, o outro precisa albergar um parasito e que, se houver muitas espécies diferentes no ambiente, umas serão suscetíveis a ele e outras não. Então, se pensarmos friamente, verificaremos que as espécies resistentes (refratárias ao agente etiológico em questão) funcionam como uma barreira, um filtro natural que tenderá a proteger, e não ameaçar.
Para melhor compreensão de suscetíveis e resistentes, pode-se pensar em vacinados (resistentes) e não vacinados (suscetíveis) contra uma virose. Quando há poucos vacinados em uma comunidade, o risco a que estão expostos os suscetíveis é muito maior do que o risco dos suscetíveis numa comunidade onde há 90% de vacinados.
Diante dessa relação entre biodiversidade e transmissão de doenças, que ações o governo poderia tomar para reduzir a disseminação de doenças, usando a natureza como aliada?
Incluir o conhecimento científico disponível nos dispositivos legais e criar guias de vigilância seriam ótimas e viáveis ações.
mcpbrasil

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