Entre os dias 12 e 16 de setembro a Rede Cerrado, em parceria com a Fundação Banco do Brasil, realizará o VII Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, no Memorial dos Povos Indígenas em Brasília/DF. Comunidades e organizações da sociedade civil dos 14 estados do Cerrado Brasileiro estarão reunidas para também celebrar o Dia Nacional do Cerrado e os 20 anos da organização.
Na programação do evento estão previstas palestras, mesas redondas, oficinas, audiência pública e outras atividades, além de uma feira de produtos típicos da região e uma intensa programação cultural. Ministros foram convidados para abertura do encontro, e haverá uma passeata pela Esplanada dos Ministérios, o Grito do Cerrado, que será encerrado pela tradicional Corrida de Toras entre etnias indígenas, alertando a sociedade da destruição e importância do bioma cerrado. Ao final será entregue ao governo uma carta política com as denúncias e reivindicações feitas pelas organizações do Cerrado, em busca de mais políticas públicas para a região.
Segundo Edith Lopes de Souza, da Coordenação da Rede Cerrado, integrante da Agência 10Envolvimento, do oeste da Bahia, a expectativa é que cerca de mil representantes de povos e comunidades tradicionais, indígenas, dentre outras, participem das atividades. O objetivo do encontro, segundo ela, é unir força entre os movimentos e melhor conhecimento de seus direitos para cobrar políticas públicas do governo. É um trabalho de capacitação, troca de experiências e saberes.
“O evento acontece para chamar atenção da sociedade brasileira e do poder público para mostrar a importância do bioma Cerrado, que está sendo devastado de forma assustadora. Um grito de alerta, pois estão sumindo tanto plantas e animais como pessoas. No oeste da Bahia, por exemplo, a agricultura vem devastando tudo, sem respeitar os povos, os aquíferos, e o bioma como um todo”, afirmou.
A Rede Cerrado elaborou para a Cúpula dos Povos o documento Caixa Preta do Cerrado, que traz ao público a relevância do Cerrado e seus povos para o desenvolvimento socioambiental no Brasil. Estudos denunciam a “velocidade alarmante que as riquezas do bioma vêm sem destruídas nas últimas décadas”. Dados apontam que as políticas públicas convertem há anos o Cerrado em áreas produtivas que resultam em terras degradadas, águas contaminadas, e ameaças às populações tradicionais. A monocultura do eucalipto, a exploração predatória do carvão, a pecuária em extensão, a erosão dos solos, são exemplos.
O Cerrado é berço de água das principais bacias hidrográficas do país, a savana com a biodiversidade mais rica do planeta, que ocupa 24% do território nacional. Fonte de conhecimentos tradicionais de uma população extremamente diversificada. Mas grandes obras de infraestrutura e o avanço do agronegócio estão lhe destruindo. O documento aa Rede Cerrado aponta que é preciso pensar na garantia e manutenção de atividades das comunidades locais, como a agroecologia e o extrativismo, numa perspectiva sustentável para as florestas da região. Dessa forma é garantida a vida das populações tradicionais em sintonia com a natureza.
De acordo com os dados do documento, o Cerrado possui 204 milhões de hectares, equivalente à soma dos territórios da Suécia, Alemanha, França, Espanha e Portugal. Destes estão devastados 100 milhões de hectares, quase a metade de sua extensão, e apenas 20% do bioma são preservados. Possui ainda milhares de plantas e animais, mas várias delas encontram-se em extinção, como as araras azul e vermelha, a onça pintada e a aroeira.
De acordo com Fátima Aparecida, da ONG Fase, articuladora no Mato Grosso, a feira é importante para dar visibilidade aos produtos regionais que não são produzidos em grande escala noutras regiões do país. Ela explica que a principal luta da região é a falta de política voltada para os agricultores continuarem manejando de forma sustentável o bioma. As organizações do Mato Grosso vão organizar uma oficina sobre os impactos do agronegócio no cerrado e distribuir materiais da Campanha Contra os Agrotóxicos.
“Esse encontro trata de todos os temas que estão impactando o cerrado, desde a questão da contaminação das águas ao desmatamento, o uso intensivo de agrotóxicos, o avanço do agronegócio. Em relação à soja, que é praticamente plantada nas áreas do cerrado, tentamos fazer com que, na discussão do zoneamento, comece a restringi-la em determinadas regiões do estado. Ainda está em disputa essa discussão, porque o governo do estado fica do lado dos fazendeiros, dos sojicultores, e eles querem fazer de tudo para ampliar. Essa coisa de legislação é como o Código Florestal, por mais pressão que se faça quem vota é o interessado em manter os seus benefícios”, criticou.
Aparecida também destacou que os sojicultores do Mato Grosso estão ocupando savanas na África, sobretudo Moçambique, porque alugam as terras mais barato nessa região e fica mais próximo do mercado. “Eles já têm a tecnologia e apoio inclusive do governo brasileiro, através do BNDES, então vão continuar com a soja aqui e lá na África. E jogando bilhões de litros de agrotóxicos em toda safra, contaminando os rios. Nós estamos na beira do rio Paraguai, que é formado no Pantanal, onde há contaminação e diminuição de nascentes”, concluiu.
A Rede Cerrado foi criada em 1992 por ocasião da assinatura do Tratado dos Cerrados, durante a Conferência Rio-92, com o objetivo de articular esforços conjuntos de ONGs e de base comunitárias para o enfretamento dos problemas socioambientais que afetam o bioma. Trabalhadores rurais, geraizeiros, agroextrativistas, indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e atores políticos regionais lutam pela conservação do Cerrado.
(*) Mais informações na página da Rede Cerrado. Matéria reproduzida da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)